O trabalho nas seleções não é autosuficiente, tem sempre de beber do que é feito nos clubes

A Áustria formou uma seleção extraordinária na década de 30. A Wunderteam era orientada por uma das figuras mais proeminentes da Escola do Danúbio, Hugo Meisl, e contava com a classe do homem de papel Matthias Sindelar. A morte de ambos – o primeiro de ataque cardíaco, o segundo de causas desconhecidas, o que lhe conferiu ainda maior aura de herói – e o Anchluss colocaram um ponto final na corporização das ideias trocadas nos cafés de Viena, a primeira manifestação do que mais tarde se irá chamar futebol total. Antes, foi semifinalista do Campeonato do Mundo de 1934, derrotando pelo caminho o outro maior representante da mesma filosofia, a Hungria.

O país voltou a mostrar-se ao planeta apenas em 1982, com uma equipa bem menos talentosa, acordando com a Alemanha a desgraça de Gijón para seguir para a segunda fase, mas em 1990 e 1998 já não passou dos grupos. E, no Europeu, só os oitavos de final de 2020 deram sinais de crescimento, confirmados agora com nova presença numa fase final, embora num grupo terrível, que inclui França, Países Baixos e Polónia. Esta terça-feira, em Viena, a Áustria recebeu a Turquia de Kokçu e Calhanoglu, adversária de Portugal, e goleou (6-1). Curiosamente, no banco da Das Team, estava Ralf Rangnick, que muitos reconhecem pelo fracasso no Manchester United.

Todos sabemos a dificuldade que é impor e trabalhar ideias numa seleção quando comparado com um clube, e também por isso Rangnick e a Áustria têm o casamento perfeito. O técnico alemão foi um dos pioneiros na modernização do futebol do seu país ao erradicar o líbero e a marcação individual, e ao apostar numa linha defensiva alta e pressão e contrapressão agressivas, e encontrou no território vizinho uma versão ainda mais progressista das próprias ideias, aprimorada nos principais clubes, desde logo o Salzburgo, onde, com Roger Schmidt, plantou princípios que inspiraram igualmente os rivais LASK e Sturm ao longo da última década. É, por isso, hoje natural que na Áustria, que tem nos lesionados David Alaba e Marko Arnautovic, e em Marcel Sabitzer as principais figuras, haja boas expetativas para os terríveis desafios do próximo mês de junho, precisamente na Alemanha.

Entretanto, Portugal sofreu diante da Eslovénia a primeira derrota da era Martínez. Mais do que o antes agora do que mais tarde que sempre se cola a estes momentos ou a desvalorização por parte do técnico espanhol de um desaire que, apesar das experiências, dificilmente seria esperado, é importante antecipar que os problemas de Ljubljana poderão repetir-se diante dos blocos mais recuados de Geórgia, Turquia e República Checa logo na fase de grupos.

Roberto Martínez deu um passo certeiro no sentido de abrir espaço na Seleção ao futebol mais ofensivo que os principais futebolistas praticam nos maiores clubes, porém também agora ficou evidente que a equipa só estará preparada para reagir à perda como o espanhol quer - essencial perante rivais assentes na transição como os que terá no início da fase final - se reunir à sua volta atletas já trabalhados para esse momento.

QOSHE - Martínez e o exercício que falta - Luis Mateus
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Martínez e o exercício que falta

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28.03.2024

O trabalho nas seleções não é autosuficiente, tem sempre de beber do que é feito nos clubes

A Áustria formou uma seleção extraordinária na década de 30. A Wunderteam era orientada por uma das figuras mais proeminentes da Escola do Danúbio, Hugo Meisl, e contava com a classe do homem de papel Matthias Sindelar. A morte de ambos – o primeiro de ataque cardíaco, o segundo de causas desconhecidas, o que lhe conferiu ainda maior aura de herói – e o Anchluss colocaram um ponto final na corporização das ideias trocadas nos cafés de Viena, a primeira manifestação do que mais tarde se irá chamar futebol total. Antes, foi semifinalista do Campeonato do Mundo de 1934, derrotando pelo caminho o outro maior representante da mesma filosofia, a Hungria.

O país voltou a mostrar-se ao planeta apenas em 1982, com uma equipa bem menos........

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