Lembremo-nos que o futebol deve celebrar os melhores. Ainda fomos a tempo desta vez

Anfield cheio, quase 60 mil almas a cantar o célebre e sempre arrepiante You’ll Never Walk Alone e Sven-Goran Eriksson, de 76 anos, ao lado de uma criança, passado e futuro de mãos dadas e um jogo de futebol de lendas que serviu para celebrar um treinador em vida.

«Normalmente, tem de se morrer e ir ao funeral antes de as pessoas começarem a dizer o quão bom se foi. Estou feliz por me estarem a dizer isso enquanto ainda estou vivo» - as palavras de Eriksson, com cancro em fase terminal e menos de um ano de vida decretado pelos médicos, não podiam ser um maior alerta, que vai muito além do futebol. Lembremo-nos, então, de celebrar com os que mais gostamos em vida, pela vida. E, já agora, que o futebol também sirva para isso.

Quando o sueco revelou a sua doença e lhe perguntaram o que lhe faltou fazer, respondeu de imediato: treinar o Liverpool. Noto um certo encanto quando alguém que trabalhou nalguns dos melhores clubes e seleções do mundo e que venceu vários títulos, na hora de pensar o que lhe falta, tenha sido mais um adepto. Mais uma lição que Eriksson nos dá: na dúvida, ir pelo coração.

O telefone tocou pouco depois e o convite para treinar esta equipa chegou. Anfield abria as portas a Eriksson, Jurgen Klopp desfazia-se em elogios e o Liverpool esteve à altura do momento. São assim os grandes, perdão, enormes clubes. Porque a história do Liverpool não se faz só de troféus, muitos milhões por passes de jogadores e treinadores carismáticos. O Liverpool são os seus adeptos, é Anfield, é o You’ll Never Walk Alone e é Sven-Goran Eriksson a entrar em campo, um pouco debilitado mas a sorrir (e a chorar também, porque ninguém aguenta tamanha emoção).

Eriksson está doente, mas por momentos quase se confundia com a criança ao lado, cheia de sonhos e de vida pela frente. E a querer que o seu clube ganhe. Que bom foi vê-lo assim, que bom que ainda tenhamos tido tempo para o celebrar, que bom deve ser ser-se adepto do Liverpool. E que bom seria, para os benfiquistas, conseguirem fazer a devida homenagem ao ex-treinador (Rui Costa já explicou que, a conselho dos médicos, a deslocação à Luz será muito difícil de acontecer).

Guardemos, por agora, este dia 23 de março de 2004. As lendas do Liverpool venceram as do Ajax por 4-2, com uma reviravolta que seria incrível se alguém tivesse prestado atenção ao jogo. E Sven deu aquela volta final, de honra, a volta que ele merecia dar enquanto vive.

Quando Eriksson estava no relvado como um adepto e ouvia quase 60 mil pessoas a garantirem-lhe que nunca caminhará sozinho, deu-nos uma das suas últimas lições: é verdade, o amor não cura, muito menos o futebol, mas pelo menos ajuda-nos a ser mais felizes. Obrigada, Sven!

When you walk through a storm

Hold your head up high

And don't be afraid of the dark

At the end of a storm

There's a golden sky

And the sweet silver song of a lark

Walk on through the wind

Walk on through the rain

For your dreams be tossed and blown

Walk on, walk on

With hope in your heart

And you'll never walk alone

You'll never walk alone

QOSHE - Eriksson não caminha sozinho - Catarina Pereira
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Eriksson não caminha sozinho

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25.03.2024

Lembremo-nos que o futebol deve celebrar os melhores. Ainda fomos a tempo desta vez

Anfield cheio, quase 60 mil almas a cantar o célebre e sempre arrepiante You’ll Never Walk Alone e Sven-Goran Eriksson, de 76 anos, ao lado de uma criança, passado e futuro de mãos dadas e um jogo de futebol de lendas que serviu para celebrar um treinador em vida.

«Normalmente, tem de se morrer e ir ao funeral antes de as pessoas começarem a dizer o quão bom se foi. Estou feliz por me estarem a dizer isso enquanto ainda estou vivo» - as palavras de Eriksson, com cancro em fase terminal e menos de um ano de vida decretado pelos médicos, não podiam ser um maior alerta, que vai muito além do futebol. Lembremo-nos, então, de celebrar com os que mais gostamos em vida, pela vida. E, já agora, que o futebol também sirva para isso.

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© A Bola


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